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  • Foto do escritorLucimara da Silva Corrêa

Pequeno artigo: O trovadorismo e as suas heranças literárias relativas às cantigas de amor

O trovadorismo e as suas heranças literárias relativas às cantigas de amor


O trovadorismo, uma das primeiras escolas literárias, e que se manifestou entre o período da idade média, se estendendo até a época em que o Renascimento começou, é marcado pelas novelas de cavalaria, pelas cantigas satíricas (de escárnio e maldizer), e também pelas cantigas líricas (de amor e amigo).

Nesse período (do trovadorismo), as invasões dos povos germânicos a Europa estavam ficando tão numerosas que geravam guerras após guerras. Com isso, acabou por desenvolver-se o feudalismo, um novo sistema econômico em que o senhor feudal era o único que recebia o direito de governar. Servos e vassalos eram controlados pelo senhor, que lhes cedia a posse de terras com a condição de que o vassalo deveria se comprometer a plantá-las e entregar a ele uma parte da produção. Como recompensa pela sua fidelidade e trabalho, no caso de invasões e ataques, uma proteção militar e judicial era dada aos servos. Essa relação entre vassalo e senhor recebeu o nome de vassalagem. O sentimento gerado dessa relação de submissão entre os dois se transformou na vassalagem amorosa, que depois acaba por marcar as cantigas de amor.

Marca as cantigas de amor, porque, segundo Vânia Maria Duarte do Nascimento:


"O amante vive sempre em estado de sofrimento, também chamado de coita, visto que não é correspondido. Ainda assim dedica à mulher amada (senhor) fidelidade, respeito e submissão. Nesse cenário, a mulher é tida como um ser inatingível, à qual o cavaleiro deseja servir como vassalo."


O foco aqui é destinado a essas cantigas líricas, especificamente, as de amor, que muito deixaram de tradição literária para a nossa cultura atual. Com o intuito de entender as relações das composições trovadorescas com as mais recentes, especificamente, do século passado, e do atual, é que foram comparados os textos abaixo:


TEXTO A

“Senhor, cuytad’ é o meu coraçon

Por vós e moyro, se Deus mi perdon

Porque sabedes que, des que enton

Vos vi, des y

Nunca coyta perdi.

Tanto me coyta e trax mal Amor

Que me mata, seed’ em sabedor,

E tod’ aquesto é, des que, senhor,

Vos vi, des y

Nunca coyta perdi.”


Autor: Dinis I de Portugal - Dom Dinis Afonso (1261-1325).

Título da obra: Cancioneiro da Biblioteca Nacional (523b) -“Senhor, cuitad’é o meu coraçom”.


TEXTO B

“Moreninha linda

Se tu soubesses

O quanto padece

Quem tem amor

Talvez não faria

O que faz agora

Quem te adora

Não tem valor

Não vivo sem ti

Sem ti não sei viver

Se eu perder seus beijos

Juro, querida, que vou morrer”


Compositor: José Rico (da dupla sertaneja Milionário e José Rico) - José Rico Alves dos Santos (1946-2015).

Título da obra: “Apaixonado”.


Ambos os textos tratam de amor, e o fazem quase que do mesmo jeito. No texto A o eu lírico está reclamando do quanto uma pessoa por quem ele se apaixonou mudou a sua vida, o levando a sofrer por amor. Enfim, mostra o quanto aquela paixão o faz mal por não ser recíproca, e por ser inalcançável. Já no texto B, ele faz um pedido a sua amada, implorando para que a mesma não o deixe, pois ele não conseguiria viver sem ela, sem o amor que recebia. O texto B apresenta um vocabulário mais pobre se comparado ao texto A, porque traz uma linguagem mais comum, enquanto o outro mostra uma linguagem um pouco mais trabalhada. No entanto, ambos se referem a uma possível “morte” causada pelo fracasso no amor, e o fazem de maneira clara.

A estrutura dos dois textos é bastante semelhante, havendo poucas estrofes, com poucos versos. Percebe-se também, uma das características fortes da escrita trovadoresca, os versos simples. O texto A possui mais rimas em comparação ao texto B, e também apresenta rimas com uma classificação levemente diferente. Nele, as rimas podem ser classificadas como perfeitas, pobres e ricas, agudas, externas, e por fim, paralelas. Enquanto que no B, as rimas são perfeitas, pobres e ricas, agudas e graves, externas, e misturadas.

As composições fazem parte de períodos completamente distantes. A de D. Dinis faz parte das cantigas realizadas entre o final do século XII e meados do século XIV, enquanto a de José Rico foi composta no final da década de 70, no século XX. A cantiga “Senhor, cuitad’ é o meu coraçom” faz parte então, da época do Trovadorismo, assim sendo, carrega em suas origens a arte dos trovadores provençais, que foram responsáveis pela criação dos modelos e padrões artísticos, e culturais dessa época. No entanto, as cantigas de D. Dinis se destacaram um tempo depois, com a arte trovadoresca galego-portuguesa, que apresentou características um pouco distinguíveis.

Nessa cantiga (texto A), são perceptíveis os traços da época, visto que ela se trata de uma cantiga de amor, que é feita em uma voz masculina bastante sentimental, a qual acaba por caracterizar a beleza de uma mulher (senhora) a quem ele não pode alcançar, fazendo assim, com que se torne consequência para o mesmo, o sofrimento que provém da falta de capacidade para expressar a ela o seu amor. Por fim, essa cantiga foi escrita em galego-português, o que é, obviamente, a principal das características da arte trovadoresca galego-portuguesa.

Na música “Apaixonado”, conseguimos perceber o quanto o jeito usado para se falar do amor, da solidão, da saudade, da não correspondência amorosa, do amor já inatingível é muito parecido com o usado nas cantigas da época do trovadorismo, isso pode se justificar como uma herança literária que foi deixada por essa escola na nossa cultura e que continua perpetuando e se espalhando na mesma até hoje. Um grande exemplo disso é a música sertaneja, que traz letras e melodias com essa característica de “sofrência”, e que fez, e continua fazendo um enorme sucesso na mídia, conquistando um espaço cada vez maior. Em suma, uma boa parte da cultura literária, e principalmente musical que temos hoje, foi herdada do Trovadorismo.



Referências:

DUARTE, Vânia Maria do Nascimento. "Trovadorismo"; Brasil Escola. Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/literatura/trovadorismo.htm>. Acesso em 04 de novembro de 2017.

Trovadorismo – Toda matéria. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/trovadorismo/. Acesso em 03 de novembro de 2017.

VARELLA, Carlos Eduardo Pinheiro Motta. Trovadorismo – Literatura – InfoEscola. Disponível em: <https://www.infoescola.com/movimentos-culturais/trovadorismo/>. Acesso em 04 de novembro de 2017.

DINIS, Dom. Cancioneiro d’elrei D. Diniz. Disponível em: <https://pt.wikisource.org/wiki/Cancioneiro_d%27elrei_D._Diniz>. Acesso em 02 de novembro de 2017.

DINIS, Dom. Senhor, cuitad’é o meu coraçom. Disponível em: <https://pt.wikisource.org/wiki/Senhor,_cuitad%27é_o_meu_coraçom>. Acesso em 02 de novembro de 2017.

Biografia – D. Dinis. Disponível em: <https://www.escritas.org/pt/bio/d-dinis>. Acesso em 02 de novembro de 2017.

ALVES, José Rico dos Santos. Apaixonado – Milionário e José Rico – Vagalume. Disponível em: <https://www.vagalume.com.br/milionario-e-jose-rico/apaixonado.html>. Acesso em 02 de novembro de 2017.

G1 – Morre aos 68 anos cantor sertanejo José Rico, da dupla com Milionário. Disponível em: <http://g1.globo.com/musica/noticia/2015/03/morre-o-cantor-sertanejo-jose-rico-diz-assessora.html>. Acesso em 02 de novembro de 2017.

Classificação de rimas: Todos os tipos de rima – Norma culta. Disponível em: <https://www.normaculta.com.br/classificacao-de-rimas/>. Acesso em 02 de novembro de 2017.

Cantigas medievais galego-portuguesas. Disponível em: <http://cantigas.fcsh.unl.pt/sobreascantigas.asp>. Acesso em 02 de novembro de 2017.




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